Se há uma casa em que habita o espírito da História Americana, esta tem como endereço a Monument Street, em Concord... e seu nome é:
The Old Manse. Não encontrei viva alma ao caminhar em direção a porta da
residência construída em 1770 para o reverendo William Emerson, avô do
escritor transcedentalista Ralph Waldo Emerson. O austero casarão ouviu os
primeiros tiros da Guerra Revolucionária pela Independência dos Estados Unidos,
na Batalha de Concord travada em seus arredores sobre a Velha Ponte Norte. Quantos
espíritos cruzam a Old North Bridge, reconstruída para servir de ponte para o
passado? Décadas depois, outra revolução seria travada naquele endereço, uma
revolução filosófica. Neste endereço, Bronson Alcott (pai de Louisa) se
encontrava com Margaret Fuller e Henry David Thoreau, que plantou até um jardim para os novos moradores do local, o escritor americano Nathaniel
Hawthorne, que alugou a casa onde Ralph Waldo Emerson escreveu o primeiro
rascunho de “Natureza”, um dos pilares do Transcedentalismo. Que formidável local
de encontros de notáveis era aquele!
Nathaniel Hawthorne era descendente de John Hathorne, o
único juiz que não se arrependeu após o terrível episódio do julgamento das
Bruxas de Salem. Nathaniel inseriu um “w” para tentar ocultar essa relação. Talvez
essa “culpa” o tenha levado a escrever romances com implicações morais, como “A
casa das sete torres” e “A letra escarlate”. Este último trata da história da relação adúltera da jovem Hester Prynne, que resultou no nascimento de uma
criança ilegítima, condenando-a a carregar a letra “A” bordada no peito. E quem não imaginaria que
essa letra se referia a marca de uma adúltera? Mas a figura de Hester não é vitimizada,
pelo contrário, ela se mostra uma mulher forte, capaz de criar sua filha e
manter o segredo que a levou a ser marcada com a letra escarlate. Mas se
Hawthorne era assombrado pela questão da herança de uma culpa que não era dele,
pode-se dizer que sua esposa, a pintora Sophia Peabody, o redimiu com uma vida
de contentamento.
Nathaniel e a esposa logo se mudaram para a Old Manse, e viveram
felizes naquela casa, até serem despejados por falta de pagamento do aluguel,
restando apenas dez dólares em seus bolsos e um bebê no colo. O futuro financeiro seria mais generoso, com o sucesso literário de Hawthorne, que se tornou um dos maiores escritores da América.
A Old Manse estava totalmente fechada, enclausurada em silêncio. Nenhuma janela aberta.
Andei ao redor da construção, justamente tentando enxergar a janela na qual o
casal registrou um fragmento dessa pequena felicidade a que chamam de matrimônio,
riscando algumas palavras no vidro com o diamante do anel de Sophia. Não encontrei as palavras,
que, mesmo assim, deveriam estar por ali, gravadas no coração daquela velha
casa:
“Os acasos do homem são os propósitos de Deus...
Os menores ramos se inclinam livremente contra o céu...
Composto pela minha esposa e escrito com seu diamante.
Inscrito pelo meu marido ao pôr do sol, 3 de Abril de 1843.
Em dourada luz”.
Diante da antiga residência dos Hawthorne, não pude deixar de me
lembrar de minha musa (na verdade, não precisava me lembrar, pois dela eu nunca me esquecia). Por
ela gastei o dinheiro de uma refeição para comprar um cartão telefônico de uma chinesa em Nova
Iorque, apenas para dizer, do outro hemisfério, que eu a sentia ao meu lado...
e que a amava. No dedo de minha musa não havia nenhum diamante, e não tínhamos sequer
uma janela para escrevermos sobre o nosso amor. Havíamos saído de nossa casinha
de fundos, porque o aluguel havia aumentado e não teríamos mais condições de
ficar lá. Foi aí que ela voltou para a casa dos pais e eu fui morar com os
cinquenta tailandeses e, depois, no asilo. Mas eu tenho certeza de que, assim
como os Hawthorne, sair de uma casa não significava perder o lar. Pois o lar é
onde nos sentimos bem. E por ter a minha musa sempre morando em meu coração, eu
teria o mundo por lar.
Próximo capítulo no dia 06/04/2016: Natureza – Ralph Waldo
Emerson.
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