quarta-feira, 6 de abril de 2016

Natureza - Ralph Waldo Emerson


               Para encerrar minha viagem por Concord, parti da Old Manse, com o seu jardim plantado por Thoreau, a janela de Hawthorne e o legado dos Emerson, e segui em solitária procissão até o Cemitério de Sleepy Hollow. Não procurei pela sombra de Ralph Waldo Emerson em outra casa, a de número 18 da Cambridge Turnpike, pela qual passei apenas com um aceno. Preferi encontrá-lo sob a luz do dia, entre as árvores vivas de um cemitério.
               Obtive antes um mapa da necrópole, impresso e distribuído gratuitamente pela Casa Funerária Joseph Dee and Son, fundada em 1868, que prestou serviços fúnebres para as famílias Thoreau, Alcott, Hawthorne e Emerson. Uma casa funerária que passou de geração em geração, semeando os pais e os filhos de Concord.



               Logo no início da caminhada por entre as caladas pedras dos túmulos, encontrei a lápide de Eliab Hayden, cuja morte havia sido talhada no ano de 1856. Desconheço quem foi o dono daquele nome, mas o que me impressionou em seu túmulo foi a força da natureza. Um tronco abraçava a pedra tumular, partindo-a em dois (corpo e alma?). Eis ali o homem retornando a si, pelos braços da natureza, com as raízes daquela árvore retomando os fluídos do homem, para que ele renascesse em suas folhas, na fotossíntese da vida eterna! Pois assim escreveu Emerson:
               “O espírito, isto é, o Ser Supremo, não constrói a natureza ao nosso redor, mas a põe ali fora através de nós, como a vida da árvore põe para fora novos ramos e folhas...”




               Não havia ali a Cruz, nem a Estrela de Davi, nem a Lua Crescente, mas apenas o tronco de uma árvore em comunhão com a pedra do homem. A vida envolvendo a morte! Pois não foi isso o que Ralph Waldo Emerson proclamou em seu livro “Natureza”?
               “... o mais nobre sacerdócio da natureza é permanecer como aparição de Deus. É o órgão através do qual o espírito universal fala ao indivíduo, e se esforça para levar o indivíduo de volta para si”.
               Mas não... Assim deveria ser, mas o homem não permite essa volta, não crê, não aceita a natureza e tenta domá-la. A árvore que um dia abraçou o túmulo de Eliab havia sido cortada, restando apenas o testemunho de um tronco seco...




               Além de visitar os túmulos de Henry David Thoreau, Louisa May Alcott, Nathaniel Hawthorne e Ralph Waldo Emerson, visitei o túmulo de Daniel Chester French, o escultor da monumental estátua do presidente Abraham Lincoln, sentado em seu trono em Washington. Ainda em Sleep Hollow descansavam Elizabeth Peabody, educadora que fundou o primeiro Jardim de Infância nos Estados Unidos, e Ephram Wales Bull, que criou uma nova variedade de uva, a Concord, em cujo epitáfio se lia: “Ele semeou, outros colheram”. E não é isso o que todos fazemos? Semeamos para que os que ainda estão no jardim de infância possam se sentar no trono do amanhã? Ou não? 
               Ainda havia naquele cemitério o túmulo de F. B. Sanborn, que escreveu livros sobre os falecidos Thoreau, Emerson, Hawthorne e Bronson Alcott... Para depois, ele mesmo, ser enterrado entre os que ele tentou manter vivos pela força da palavra e da pena da História.
               Por isso escrevo? Escrevo sobre glórias alheias? Escrevo apenas sobre os grandes escritores que moldaram a América? Talvez, mas também escrevo por mim. Não pela glória de ser esculpido por um Daniel Chester French, nem para ser objeto de estudo pela pena de um Sanborn, mas apenas pela honra de sorver o ar que pairava sobre os famosos mortos de Sleepy Hollow, pois não havia e nem há glória maior do que esta: estar vivo!





               E para os que não acreditam nisso, encerro este capítulo com as palavras de Ralph Waldo Emerson, em sua obra-prima, Natureza:
               “ Tudo o que Adão tinha, tudo o que poderia César, você tem e pode. Adão chamou a sua casa de céu e terra; Cesar chamou sua casa, Roma; você talvez chame a sua de sapataria, de cem hectares de terra arada; ou quarto de estudo. No entanto, linha por linha e ponto por ponto, o seu domínio é tão grande quanto o deles, ainda que sem seus refinados nomes. Construa, portanto, o seu próprio mundo”.
               Parti de Concord, abandonando o mundo dos transcendentalistas, para construir o meu próprio mundo, passo a passo... mas ainda sem nome.


Próximo capítulo: O Apanhador no Campo de Centeio – J. D. Salinger


PS: A postagem de hoje é dedicada a Ademar Schiavone, que soube glorificar a vida, despedindo-se ontem para voltar à Natureza.

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