quarta-feira, 20 de julho de 2016

Harmonium - Wallace Stevens


               Pela América, visitei autores com biografias incríveis, aventureiros, seres que moveram milhares de pessoas a novas formas de pensar, a revoluções... Na própria Hartford, busquei o grande Mark Twain e Harriet Beecher Stowe, a mulher que com o seu livro “começou” a Guerra Civil Americana. Mas, antes de partir dessa cidade, decidi ainda visitar a casa de Wallace Stevens, justamente pela sua biografia: 1879, nasce em Reading; 1901, ingressa na Faculdade de Direito; 1909, casa-se com Elsie Viola, com quem tem uma filha, Holly Stevens; 1916, entra para a Companhia de Seguros Hartford, onde trabalha até morrer, em 1955. Não parece uma vida muito inspiradora, certo? Mas, então, como ele foi capaz de escrever obras poéticas tão fortes, chegando a receber o Prêmio Pulitzer e o National Book Award? Tentei descobrir isso, refazendo o mesmo caminho que Wallace Stevens repetiu por anos a fio, da sua casa até o trabalho na Seguradora.
               Propositadamente, caminhei sem prestar atenção à minha volta, até chegar à casa de Wallace. Por que fiz isso? Para não “cansar” a minha vista, pois isso poderia interferir em meu olhar durante a caminhada poética. Pois não é isso o que nos impede de apreciar o que temos à nossa volta? Quando já estamos tão cansados de ver as mesmas coisas, que passamos a não enxergá-las mais? Entramos no modo automático do cotidiano. Mas não para quem consegue manter o olhar de poeta...
              Ao chegar à casa de Wallace, de tábuas brancas, contornos simples, telhado inclinado preparado para a neve, senti a tentação de tocar a campainha, explorar o seu interior. Mas eu não poderia fazer isso. Não era pelo fato da casa estar fechada ao público, por ter se tornado o lar de outra pessoa que não Wallace. Não. O que me impediu foi a lembrança destes versos:

O leitor tornou-se o livro; e a noite de verão”



Imaginei Stevens em um dos cômodos da casa, mergulhado no silêncio e na calma do seu próprio mundo. Eu não poderia perturbar esse momento. Eu lia a casa, em silêncio, como deveria ser. Após absorver toda a tranquilidade daquele lar, estava já preparado para a minha caminhada. Ao longo da rota, havia trechos do intrigante poema “Treze formas de olhar um melro”, gravados em blocos de granito. Sempre preferi a leitura desse poema ao contrário, da última estrofe para a primeira. Assim, iniciei com os versos da 13.ª estrofe (aqui já traduzidos por João Moura Junior):

“A tarde toda era um fim de tarde.
Nevava
E ia nevar.
O melro estava assentado
Nos galhos do cedro”.





               A cada passo, tentava absorver a essência do caminho. Vi o carteiro trazendo o mundo para uma casa sem muros, um esquilo atravessando a rua, folhas multicores, a relva e a calma. Não havia nada de extraordinário pelo caminho, mas, de qualquer forma, sentia-me como um aventureiro que desbravava um novo mundo! Pode parecer exagero, mas não. E não era pelo fato daquele ser o caminho que Stevens percorria para o seu trabalho. Era pelo simples fato de que eu estava totalmente imerso no caminho, como se cada folha e pedra me pertencesse, não da forma como costumamos pensar em “propriedade”, mas um pertencimento atávico, que me trouxe a lembrança do dia em que me perdi na minha própria rua onde eu morava, criança que era, seguindo uma folha carregada pela chuva recém-caída... Eis a poesia, voltar a ter olhos de criança...
               E assim cheguei, ao fim da jornada, com estes versos, a primeira estrofe:






“Entre vinte montanhas nevadas
A única coisa a mover-se
Era o olho do melro”





               Sim, para ser poeta, não é preciso ser grande, escalar as maiores montanhas em busca de inspiração. Creio que basta focar o olhar no próprio quintal da alma, e encontrar o mundo que lá existe...
              

               

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