Retornei a Nova
Iorque com as luzes da ribalta começando a brilhar. Cruzando as
largas avenidas, indaguei-me se haveria palco maior no mundo do que
aquele sobre o qual caminhava. O meu curto ato na América estava
chegando ao fim. E ainda havia tanto atos que eu nunca veria…
Em minha angústia,
olhei para a lista de endereços de grandes autores que viveram
naquela cidade. O primeiro nome da lista era de um escritor que passou os
seus últimos dias na Big Apple: Tennessee Williams, dramaturgo
premiado com o Pulitzer. O endereço? O Hotel Elysée.
Meu desejo, na
verdade, não era em absoluto chegar àquele hotel. Eu queria me
dirigir a St. Peter Street, 632 em New Orleans, onde Williams começou
a escrever “Um bonde chamado desejo”. Mas eu não teria tempo,
nem dinheiro, para percorrer os vastos territórios do sul. Então,
eu interpretava uma mágica presença, assim como fiz durante toda a
minha peregrinação literária. Afinal, ter visitado o local de
nascimento de Hemingway teria me dado os céus da Espanha ou o mar?
Ler a imóvel lápide de Jack Kerouac teria me dado o constante
movimento deste autor por todas as estradas da América? O que
haveria de Tennesse Williams no Hotel Elysée, onde suas palavras
encontraram o fim?
Eu encontraria
muito mais desses autores nas obras enfileiradas na biblioteca da
minha própria cidade do que eu jamais poderia fazer na América. Só
que eu queria tentar encontrar mais sob as estrelas das bandeiras
americanas, que tremulavam debaixo das reais estrelas ofuscadas pelo
artificial brilho da metrópole. Eu buscava essa ilusão de que, ao
caminhar pelas ruas de Nova Iorque, eu estaria lendo capítulos que
nunca foram escritos por todos estes cuja morte encerrou a
possibilidade de novos atos de criação… Apenas, ilusão?
Até o nome
“Tennessee” é “falso”, pois seu verdadeiro nome foi Thomas
Lanier Williams III, filho de uma família instável, mergulhado em
uma realidade que o levou a comentar: “Descobri na escrita uma fuga
de um mundo real no qual me sentia profundamente desconfortável”.
Fuga. Era isso o que eu tentava empreender durante a minha longa
jornada. Uma fuga dessa tal realidade para me entregar apenas à boa
ficção. Uma mentira? Assim como o nome de Thomas, que escolheu
carregar o nome Tennessee por ter vivido dois anos felizes nesse
estado americano? Por que não escolher nossos próprios enredos até
o ato final, que não pode ser escolhido?
Tennessee Williams
morreu engasgado com a tampa de plástico de um remédio. Quem
imaginaria um fim assim? Ao chegar diante do hotel em que ele passou
a sua última noite, eu sabia que não poderia dormir ali. E nem
desejava isso. Queria passar a noite acordado, desperto, para não
perder nenhum instante, assim como quem não consegue parar de ler
até chegar ao fim de uma boa história. Tentei imaginar enredos por
trás das janelas acesas daquele hotel. Imaginei o fim de Tennessee,
que, mesmo tentando fugir da realidade, não conseguiu deixar que ela
o seguisse até em sua ficção, inspirando-se em sua irmã, que
seria lobotomizada, e tantas pessoas reais com quem viveu suas
mentiras não escritas.
Na história de
Tennessee há realmente um bonde chamado Desejo…
Se embarcássemos
nele, acredito que cada um de nós acabaria em um destino diferente.
Qual seria o seu?
Próximo capítulo: O profeta - Khalil Gibran (17/08/2016)
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