quarta-feira, 3 de agosto de 2016

Um bonde chamado desejo - Tennessee Williams


Retornei a Nova Iorque com as luzes da ribalta começando a brilhar. Cruzando as largas avenidas, indaguei-me se haveria palco maior no mundo do que aquele sobre o qual caminhava. O meu curto ato na América estava chegando ao fim. E ainda havia tanto atos que eu nunca veria…
Em minha angústia, olhei para a lista de endereços de grandes autores que viveram naquela cidade. O primeiro nome da lista era de um escritor que passou os seus últimos dias na Big Apple: Tennessee Williams, dramaturgo premiado com o Pulitzer. O endereço? O Hotel Elysée.



Meu desejo, na verdade, não era em absoluto chegar àquele hotel. Eu queria me dirigir a St. Peter Street, 632 em New Orleans, onde Williams começou a escrever “Um bonde chamado desejo”. Mas eu não teria tempo, nem dinheiro, para percorrer os vastos territórios do sul. Então, eu interpretava uma mágica presença, assim como fiz durante toda a minha peregrinação literária. Afinal, ter visitado o local de nascimento de Hemingway teria me dado os céus da Espanha ou o mar? Ler a imóvel lápide de Jack Kerouac teria me dado o constante movimento deste autor por todas as estradas da América? O que haveria de Tennesse Williams no Hotel Elysée, onde suas palavras encontraram o fim?
Eu encontraria muito mais desses autores nas obras enfileiradas na biblioteca da minha própria cidade do que eu jamais poderia fazer na América. Só que eu queria tentar encontrar mais sob as estrelas das bandeiras americanas, que tremulavam debaixo das reais estrelas ofuscadas pelo artificial brilho da metrópole. Eu buscava essa ilusão de que, ao caminhar pelas ruas de Nova Iorque, eu estaria lendo capítulos que nunca foram escritos por todos estes cuja morte encerrou a possibilidade de novos atos de criação… Apenas, ilusão?
Até o nome “Tennessee” é “falso”, pois seu verdadeiro nome foi Thomas Lanier Williams III, filho de uma família instável, mergulhado em uma realidade que o levou a comentar: “Descobri na escrita uma fuga de um mundo real no qual me sentia profundamente desconfortável”. Fuga. Era isso o que eu tentava empreender durante a minha longa jornada. Uma fuga dessa tal realidade para me entregar apenas à boa ficção. Uma mentira? Assim como o nome de Thomas, que escolheu carregar o nome Tennessee por ter vivido dois anos felizes nesse estado americano? Por que não escolher nossos próprios enredos até o ato final, que não pode ser escolhido?
Tennessee Williams morreu engasgado com a tampa de plástico de um remédio. Quem imaginaria um fim assim? Ao chegar diante do hotel em que ele passou a sua última noite, eu sabia que não poderia dormir ali. E nem desejava isso. Queria passar a noite acordado, desperto, para não perder nenhum instante, assim como quem não consegue parar de ler até chegar ao fim de uma boa história. Tentei imaginar enredos por trás das janelas acesas daquele hotel. Imaginei o fim de Tennessee, que, mesmo tentando fugir da realidade, não conseguiu deixar que ela o seguisse até em sua ficção, inspirando-se em sua irmã, que seria lobotomizada, e tantas pessoas reais com quem viveu suas mentiras não escritas.
Na história de Tennessee há realmente um bonde chamado Desejo…
Se embarcássemos nele, acredito que cada um de nós acabaria em um destino diferente. Qual seria o seu?


Próximo capítulo: O profeta - Khalil Gibran (17/08/2016)

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